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Em 2014, a Lei de Arbitragem de 1996, tendo chegado à sua maturidade, atingiu também sua maioridade, com sucesso reconhecido nacional e internacionalmente. Tivemos um crescente aumento da arbitragem interna. Assistimos à sua internacionalização e aumento de seu uso pelas empresas multinacionais, que, muitas vezes, passaram a escolher o Brasil como um dos lugares mais adequados para a sua realização. As instituições brasileiras estão se equipando para essa fase, enquanto surge uma nova geração de árbitros e de advogados especializados na matéria.
De um ano para o outro, as estatísticas revelam a adoção progressiva da solução dos litígios pela arbitragem e pela mediação, que entrou nos usos e costumes comerciais nos últimos anos. Passamos a ter o reconhecimento da eficiência da arbitragem brasileira, no plano internacional, pelos magistrados, advogados e juristas dos outros países.
As estatísticas obtidas em 2014 evidenciam que tivemos e teremos boas safras. De acordo com dados fornecidos pelas principais instituições arbitrais em casos brasileiros, foram iniciados mais de 310 novos casos em 2014, em contraposição aos cerca de 170 iniciados em 2008 — o que corresponde a um aumento que supera 80% no número de arbitragens nesse período. O Brasil também teve desempenho expressivo na CCI, nos últimos anos, ficando em 4° lugar em 2012 e 2013, no ranking dos países com maior número de partes em arbitragens administradas por aquela instituição. Essa tendência certamente é contínua.
Cada vez mais, a arbitragem passa a ser não só um meio de solução de disputas, mas também uma ferramenta comercial para alcançar acordo entre as partes. Houve também uma maior democratização do instituto da arbitragem, que passou a abranger numerosas questões médias e até de valor relativamente reduzido, que estão sendo submetidas aos árbitros.
Uma nova geração de jovens árbitros está ingressando no mercado e assistimos a uma lenta, mas progressiva especialização na matéria e à gradual profissionalização da arbitragem. Assim, escritórios que se dedicavam exclusivamente à advocacia dos negócios comerciais e que, no passado, não cuidavam do contencioso, passaram a desenvolver departamentos especializados na conciliação, mediação e arbitragem, que deixou de ser uma atividade pontual.
No pronunciamento que fez em 14 de agosto de 2014, no evento promovido pela Associação dos Magistrados Brasileiros, um dia depois de ser eleito presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Ricardo Lewandowski reconheceu a necessidade de recorrer à arbitragem, à mediação e à conciliação para resolver os litígios menores, que não devem, necessariamente, serem levados ao Judiciário, podendo ser resolvidos pela própria sociedade. O site do CNJ publicou, na ocasião, notícia com o seguinte título: “O século XXI marca a era dos direitos e do Poder Judiciário, afirma Ricardo Lewandowski”. O ministro reiterou o posicionamento em almoço que lhe foi oferecido pelo Instituto dos Advogados de São Paulo.
Do lado da advocacia, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Marcos da Costa, afirmou, em artigo publicado em 14 de agosto de 2014, na Folha de S.Paulo, que urge reduzir o tempo da tramitação processual e buscar novas formas alternativas para reduzir a litigância pela via da conciliação, utilizando inclusive programas nos quais o advogado pode funcionar como catalisador dos acordos.
Por sua vez, o projeto de lei de reforma da arbitragem foi aprovado pela Câmara dos Deputados e já remetido ao Senado (Projeto de Lei do Senado 406/2013), com uma única emenda cuja utilidade e oportunidade estão sendo contestadas pelo presidente da comissão de juristas que o elaborou e pela doutrina em geral1.
A emenda proposta pelo relator da Comissão Especial propõe a exigência de previsão da arbitragem em edital ou ainda em contratos da administração, desde que nos termos de regulamento a ser implementado. Todavia, a referida emenda é inoportuna porque é mais restritiva do que a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça.
No caso Compagás versus Passarelli, o STJ reafirmou a arbitrabilidade subjetiva de entes da Administração Pública indireta, a exemplo das sociedades de economia mista, que, assim como a Compagás, podem estar sujeitas à arbitragem. Em especial, afirmou não ser necessário que a convenção de arbitragem conste de edital, podendo as partes, a posteriori, celebrar compromisso arbitral, uma vez que, na sua visão, a convenção arbitral não constitui cláusula essencial. O REsp 904.813-PR, analisado pela 3ª Turma do STJ, foi relatado pela ministra Nancy Andrighi em 20 de outubro de 2011.
A posição pró-arbitragem em relação a disputas envolvendo a Administração Pública é ilustrada em recente arbitragem, que teria sido instituída pela Petrobras contra a Agência Nacional do Petróleo (ANP), conforme noticiou o Valor Econômico, com o título “Petrobras e ANP vão à arbitragem”, em 28 de abril de 2014. No passado, fui árbitro nomeado pela ANP2, numa arbitragem CCI que ensejou um dos primeiros pronunciamentos da AGU em favor da legalidade da cláusula compromissória nos contratos administrativos. Agora, o fato de ser requerida a arbitragem, pela Petrobras, contra a Agência, revela uma nova mentalidade da Administração Pública, que muito deve ao esforço feito neste sentido sucessivamente pelos ministros José Antonio Dias Toffoli e Luís Inácio Adams, para mitigar os efeitos do que o primeiro chamou “a cultura do litígio”.
Além de dispositivo reconhecendo a arbitrabilidade de disputas envolvendo a Administração Pública direta e indireta, o Projeto de Lei do Senado 406/2013 trata também da competência dos árbitros para decidir sobre medidas cautelares, faz a distinção entre contratos de adesão e consumo, regula a arbitragem societária, dentre outros assuntos relevantes. Pode-se esperar que o projeto se transforme em lei ainda no primeiro semestre de 2015.
Quanto à evolução da jurisprudência, houve várias decisões do STJ e dos demais tribunais, examinando os conceitos de ordem pública, o pedido de homologação de sentença não fundamentada, a independência dos árbitros e outras questões. O número de impugnações de árbitros e de ações anulatórias de sentença também aumenta, mas a maioria das decisões arbitrais está sendo confirmada pelo Poder Judiciário.
No STJ, dentre as 61 decisões sobre pedidos de homologação de sentenças arbitrais estrangeiras entre 2005 e 2014, 45 sentenças arbitrais foram homologadas, 3 foram parcialmente homologadas, 7 não foram homologadas e em 6 casos houve extinção do processo por acordo ou em virtude de ilegitimidade da parte.
Em 2014, o STJ discutiu o conceito de ordem pública, como causa de não homologação de sentenças arbitrais estrangeiras. No caso Ferrocarriles versus. Supervia3, a corte homologou parcialmente sentença arbitral da CCI, no sentido de excluir condenações em dólar sujeitas à conversão em reais na data do envio, cumuladas com correção monetária. A matéria mereceu comentários do professor Roberto Rosas na Revista de Arbitragem e Mediação4.
Por um lado, a decisão em Ferrocarriles poderia parecer um tanto prejudicial à parte, que teria de iniciar uma nova arbitragem para se valer das condenações em dólar em relação às quais se aplicasse correção. Por outro, a decisão do STJ parece alinhar-se à decisão anterior no caso Thales Geosolutions versus Farco5, em que, ao homologar sentença arbitral, salientou que questões envolvendo direito constitucional, administrativo, processual, criminal, tributário, família, recuperação judicial, polícia, condições de forma de certos atos, salário, moeda e fraude poderiam suscitar indeferimento, com fulcro no conceito de ordem pública.
Uma decisão importante do STJ em 2014 foi proferida em medida cautelar relacionada ao processo de homologação de sentença arbitral estrangeira (SEC 5692/EX) no caso Newedge versus Garcia. Nesse caso, a autora6 buscou garantir, mediante pedido de tutela de urgência, a execução de sentença arbitral estrangeira proferida em seu favor, com condenação solidária dos requeridos Garcia e a empresa Fluxo-Cane. A arbitragem teve por fundamento um contrato de financiamento relativo à compra e venda de commodities, em que a Newedge atuou como corretora da Fluxo-Cane.
Paralelamente ao pedido de homologação, a Newedge requereu medida de urgência, alegando a existência de processo de liquidação da empresa Fluxo-Cane, em cortes estatais caribenhas, como também a dissipação de bens por Garcia, cidadão brasileiro, mediante a alienação de imóveis de propriedade da empresa S/A Fluxo em que participava como sócio majoritário no Brasil. Nesse sentido, requereu o arresto das ações da referida empresa de propriedade de Garcia, dos imóveis transferidos pela S/A Fluxo a uma segunda empresa cujos acionistas eram seus filhos, e o de imóveis transferidos por Garcia a seus filhos. Além do arresto, a Newedge requereu a expedição de edital de protesto judicial, a ser publicado nas praças de Recife e São Paulo, a fim de dar ciência a terceiros quanto à litigiosidade dos bens que integravam o patrimônio dos devedores.
A cautelar foi concedida pelo ministro Ari Pargendler, relator do caso. No agravo regimental contra a mesma, a Corte manteve a decisão monocrática, concedendo a tutela de urgência. Entendeu que a alienação de bens colocava em risco a solvência do devedor, a qual, associada ao processo de liquidação judicial da Fluxo-Cane no exterior, comprovava periculum in mora. Outrossim, justificava-se no caso a desconsideração da personalidade jurídica da S/A Fluxo, identificando-a com seu sócio Garcia, constatada fraude à execução. O fumus boni iuris restava comprovado mediante a sentença arbitral, que se buscava homologar e que é equiparada a título executivo judicial. Já no processo de homologação da sentença arbitral estrangeira no mesmo caso, o STJ salientou que a concisão da fundamentação da sentença arbitral não era impeditiva da sua homologação.
A decisão vem na linha do voto vencido do ministro Massami Uyeda, no caso Kanematsu, segundo o qual a ausência de motivação era autorizada expressamente pelas regras de arbitragem AAA, o que não obstava, no caso, a homologação. Em seu voto, o ministro acrescentou que o contrato do qual constava cláusula compromissória havia sido assinado pela ATS, e que a requerida ATS havia participado ativamente da arbitragem AAA. Saliente-se, todavia, que, no caso Kanematsu, o STJ não precisou decidir sobre o tema de sentenças arbitrais não fundamentadas, pois justificou o indeferimento da homologação sob a alegada ausência de assinatura da ATS no contrato que dispunha sobre arbitragem. O caso Kanematsu versus ATC, analisado na Corte Especial, foi relatado pelo ministro Francisco Falcão em 18 de abril de 2012. (STJ, SEC 885/EX)
De qualquer forma, nos dois casos citados, Newedge e Kanematsu, há uma sinalização de que, se as partes aderirem a regras de arbitragem que expressamente prevejam a não fundamentação, ou ainda dispensarem a fundamentação de forma explícita no termo de arbitragem, o deferimento da homologação se justificaria. Essa posição seria ainda mais defensável quando houver concisão da decisão, o que se distingue da ausência de fundamentação.
Ainda, no caso Newedge, a Corte ressaltou que processo instituído no exterior não induz litispendência, não tendo o condão de impedir a homologação. Nesse caso, a Newedge, requerente vitoriosa na arbitragem contra Fluxo-Cane Overseas Ltd (Ilhas Virgens Britânicas) e Garcia (cidadão brasileiro), teria desistido do feito em relação à Fluxo-Cane nos autos da liquidação judicial dessa empresa perante a Suprema Corte do Caribe Oriental.
Tal posição se alinha com outros precedentes nos quais o STJ não reconheceu a litispendência. O caso mais emblemático já decidido pela Corte é GE Medical versus Paramedics7, em que o STJ não hesitou em homologar decisões estrangeiras norte-americanas afirmando a validade da cláusula compromissória8, a despeito da existência de feito pendente perante a justiça brasileira atinente à alegação de nulidade da convenção arbitral.
Por fim, podemos também citar a decisão no caso First Brand versus Petroplus, na Apelação 0014578-23.2004.8.26.0100. O caso, analisado na 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ paulista, foi relatado pelo desembargador Francisco Loureiro em 3 de abril de 2014. O TJ-SP reiterou jurisprudência do STJ, conforme o REsp 1.231.554/RJ. O caso Nuovo Pignone versus Petromec foi relatado pela ministra Nancy Andrighi em 24 de maio de 2011.
Segundo o TJ-SP, a ação anulatória não poderia ser proposta perante cortes brasileiras, por não se tratar de uma sentença doméstica, devendo-se recorrer às cortes norte-americanas, nos termos do artigo 38, VI, da Lei de Arbitragem e da Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras. Essa decisão reiterou a jurisprudência do caso Renault versus CAOA, também do TJ-SP, que publicamos9.
Paralelamente, as instituições arbitrais se reorganizam e multiplicam os eventos destinados à discussão e divulgação da matéria. Em 2014, tivemos debates acerca da arbitragem em diversos eventos realizados nas principais capitais brasileiras. Também os livros e artigos nacionais sobre arbitragem se multiplicam, versando alguns sobre a teoria geral como o tratado do professor Dinamarco, e outros sobre assuntos específicos, como as recentes obras dos professores Pedro Batista Martins e Raquel Stein. Publiquei, pela Revista dos Tribunais, em 2014, uma antologia de artigos sobre arbitragem em sete volumes, abrangendo cerca de 500 artigos, que é a obra mais extensa existente no direito brasileiro sobre a matéria. Finalmente, o livro do professor Gaillard10 sobre aspectos filosóficos da arbitragem, que foi, inicialmente, escrito em francês e, depois, traduzido para o espanhol, acaba de merecer uma tradução brasileira, o que demonstra que também há o interesse dos meios universitários e profissionais pela visão teórica da matéria.
Sem dúvida, a tendência é a valorização da arbitragem, como também de outros métodos a exemplo dos dispute boards em grandes contratos de infraestrutura, da mediação e conciliação, tanto em virtude do trabalho dos tribunais liderados pelo Conselho Nacional de Justiça, como pelos meios empresariais. Cada vez mais, hoje e no futuro próximo, os advogados e os árbitros desempenharão papel crucial na aproximação das partes, atuando como catalisadores de acordos.
1 Luis Felipe Salomão, “A atualização da lei de arbitragem”, Migalhas, 19.11.2014, disponível em http://www.adambrasil.com/arquivos/4950/
Projeto de Lei do Senado nº 406/2013:
”Art. 1º …………………………………………………………….. §
1º A Administração Pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis decorrentes de contratos por ela celebrados desde que previsto no edital ou nos contratos da administração, nos termos do regulamento.”
§ 2º A autoridade ou o órgão competente da Administração Pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações”.
“Art. 2º ……………………………………………………………..
§ 3º As arbitragens que envolvem a Administração Pública serão sempre de direito e respeitarão o princípio da publicidade”.
2 O Professor Arnoldo Wald atuou como co-árbitro na disputa Newfield vs. ANP. A sentença arbitral nesse caso foi publicada na Revista de Arbitragem e Mediação, nº 39, out.-dez./2013, p. 311 e sgts.
3 STJ, SEC 2410/EX, Construcciones y Auxiliar de Ferrocarriles S.A. vs. Supervia Concessionária de Transporte Ferroviário S.A., Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, DJe 19.02.2014.
4 Vide Roberto Rosas, “Sentença arbitral estrangeira. Homologação no STJ. Ofensa à ordem pública. Limites EDcl na SEC 2410”, Revista de Arbitragem e Mediação, nº 43, out.-dez./2014 [no prelo].
5 STJ, SEC 802/US, Thales Geosolutions Inc vs. Fonseca Almeida Representações e Comércio (“Farco”), Corte Especial, Rel. Min. José Delgado, j. 17.08.2005, DJ 19.09.2005. Nesse caso, a Corte entendeu que o princípio exceptio non adimpleti contractus não estava contido no conceito de ordem pública.
6 STJ, AgRg MC 17.411 S/A Fluxo Comércio e Assessoria Internacional vs. Newedge USA LLC, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 20.08.2014.
7 STJ, SEC 854/EX, GE Medical Systems Information Technologies Inc vs. Paramedics Electromedicina Comercial Ltda., Corte Especial, Rel. Min. Uyeda (Rel. para acórdão Min. Sidnei Beneti), j. 16.10.2013. Vide também a decisão em AgRg SEC 853, GE Medical Systems Information Technologies Inc vs. Paramedics Electromedicina Comercial Ltda., Decisão monocrática Min. Castro Meira, j. 30.06.2011, em que se decidiu não suspender a homologação da sentença arbitral, a despeito de tramitar processo perante justiça brasileira discutindo validade da convenção de arbitragem.
8 Note-se que a homologação na SEC 854 foi parcial, não se aplicando à parte das sentenças judiciais norte-americanas que impunham pena criminal e imposição multa mediante anti-suit injunction pelas cortes estrangeiras.
9 Vide comentários da Professora Selma Ferreira Lemes, na Revista de Arbitragem e Mediação, nº 11, out.-dez./2006, p. 222 e sgts..
10 Emmanuel Gaillard. Teoria jurídica da arbitragem internacional. Tradução de Natália Mizrahi Lamas. São Paulo: Atlas, 2014.
Arnoldo Wald é advogado e professor catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e sócio de Wald e Associados Advogados.
Ana Gerdau de Borja é advogada associada (Wald, São Paulo), PhD e LLM pela University of Cambridge, Reino Unido.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1 de janeiro de 2015, 7h09
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