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(A) Introdução – O processo de revisão das diretrizes da IBA relativas a conflitos de interesses em arbitragem internacional
1. No dia 23 de outubro de 2014, em Tóquio, o Conselho da IBA (International Bar Association) aprovou a mais recente versão das Diretrizes da IBA relativas a Conflitos de Interesses em Arbitragem Internacional (“Diretrizes da IBA” ou “Diretrizes”), ainda não traduzida oficialmente para o português.
2. Como se sabe, as Diretrizes da IBA são regras de caráter não cogente (referidas, em direito internacional, como soft law), mas que, ao longo dos dez anos de sua existência, ganharam destaque e aceitação entre muitos que utilizam a arbitragem como método de resolução de disputas nacionais e internacionais, tais como árbitros, partes, advogados, instituições arbitrais e também tribunais judiciais.
3. As Diretrizes buscam assegurar a imparcialidade e a independência de árbitros e dos demais sujeitos atuantes em arbitragens comerciais e de investimento, sejam eles advogados ou não. Indicação, revelação e impugnação de árbitros são alguns dos intrincados temas tratados pelas Diretrizes da IBA com o propósito de incentivar e fortalecer a segurança jurídica buscada pela arbitragem.
4. Nesse passo, as novidades trazidas pelas Diretrizes da IBA de 2014 refletem as experiências vividas em várias partes do mundo e a evolução dos assuntos relacionados à sua aplicação, que foram objeto de estudo pelo Comitê de Arbitragem da IBA desde 2012. Embora os propósitos e as abordagens das Diretrizes de 2004 não tenham sido modificados em sua essência (“If it ain’t broken, don’t fix it” foi um dos motes do processo de revisão), as novidades trazem diretivas inéditas e esclarecimentos acerca de dúvidas textuais e problemas de interpretação que têm sido discutidos no passado recente. Algumas das mais relevantes modificações serão brevemente comentadas a seguir.
(B) O período de extensão dos deveres de imparcialidade, independência e revelação dos árbitros – GS (1)
5. A Parte I das Diretrizes estabelece sete princípios gerais relativos à imparcialidade, à independência e à revelação dos árbitros e, em cada um deles, a sua fundamentação em uma breve nota explicativa. O General Standard (1) é o primeiro princípio geral que, naturalmente servindo de base para os demais, prevê que os deveres de imparcialidade, independência e revelação do árbitro se mantêm até o final do procedimento arbitral.
6. As modificações de 2014 esclarecem que esses deveres perduram até o prazo final de correções e/ou interpretações da sentença final pelos árbitros, mas não se estendem ao período em que a sentença pode ser impugnada perante os tribunais judiciais competentes. A exceção a essa regra consiste na hipótese em que a sentença arbitral retorne, por qualquer motivo, para nova decisão a ser proferida pelo tribunal arbitral. Nesse caso excepcional, a versão 2014 das Diretrizes da IBA estabelece que novas verificações de potenciais conflitos de interesses deverão ser realizadas quando a arbitragem voltar a prosseguir.
(C) A validade e a eficácia de Advance Declarations ou Advance Waivers pelas partes – GS (3)
7. O General Standard (3) é o terceiro princípio geral, também alterado pela nova versão das Diretrizes, e trata do dever do árbitro de revelar às partes quaisquer fatos ou circunstâncias que possam suscitar dúvidas quanto à sua imparcialidade ou à sua independência. Trata-se de dever contínuo durante todo o procedimento, conforme se introduziu acima, e como as Diretrizes expressamente estabelecem.
8. A nova versão das Diretrizes da IBA permanece silente quanto à validade e à eficácia de declarações antecipadas ou renúncia ao dever de revelação (os chamados advance declarations ou advance waivers) – questão que deve ser avaliada sob o prisma da lei aplicável. No entanto, as Diretrizes enfatizam expressamente que tais declarações e/ou renúncia não tornam o árbitro isento do dever contínuo de revelação. A revelação pelo árbitro deveria ocorrer, portanto, independentemente de haver uma advance declaration ou um advance waiver pelas partes.
(D) Escopo de aplicação ampliado: a independência e a imparcialidade dos secretários administrativos, secretários do tribunal e assistentes – GS (5)
9. A nova versão das Diretrizes também torna o escopo de sua aplicação mais abrangente, porquanto o General Standard (5) passou a determinar que os deveres de imparcialidade, independência e revelação não se aplicam apenas ao tribunal arbitral, mas igualmente aos secretários administrativos, aos secretários do tribunal e a eventuais assistentes dos árbitros. Cabe ao próprio tribunal arbitral, aliás, assegurar que esses deveres sejam respeitados por todos os sujeitos envolvidos no curso do procedimento.
(E) Sócios e associados de escritórios de escritórios de advocacia atuando como árbitros – GS (6)
10. As modificações incorporadas ao sexto princípio, o General Standard (6), são de especial relevância para os escritórios cujos advogados atuam como árbitros ou representantes de partes. Em que pese o tom mais restritivo ao afirmar que os árbitros devem assumir a identidade do escritório em que atuam, as Diretrizes recomendam que, na análise de existência de conflito de interesses, sejam levados em consideração diversos fatores nesse tocante, como a real relação do árbitro com o escritório, e a natureza e o escopo de suas atividades no âmbito da sociedade de advogados.
11. Desta feita, conflitos de interesses envolvendo a sociedade de advogados da qual o árbitro ou o advogado façam parte devem ser analisados conforme suas especificidades; a mera existência de relação com o escritório de advocacia não necessariamente fará nascer o conflito. Essa alteração tem como propósito conciliar, de um lado, a intenção das partes de que sócios de escritórios sejam indicados como árbitros e, de outro, a inafastável observância dos deveres de independência, imparcialidade e revelação pelos árbitros.
(F) Third-party funders e seguradoras – GS (6)
12. As pessoas físicas e jurídicas com interesse econômico direto no resultado da arbitragem são, ainda, colocadas no mesmo nível das partes para os fins de checagem de conflitos, conforme o General Standard 6(b). Trata-se do caso dos third-party funders e das seguradoras, por exemplo, cujos nomes e relações também deveriam, nos termos das Diretrizes, ser revelados para fins de análise de conflitos de interesses.
(G) Dever adicional das partes de revelar situações de potencial conflito de interesses – GS (7)
13. A nova versão das Diretrizes ainda estabelece uma atribuição adicional às partes em seu sétimo e último princípio. O General Standard (7) confere às partes – e não apenas aos árbitros – o dever de informar todos os sujeitos da arbitragem acerca de quaisquer relações relevantes entre partes, árbitros, patronos e entidades terceiras interessadas. Caberia primeiramente às partes, com efeito, alertar os demais sujeitos a respeito de um sabido e potencial conflito de interesses com relação a um ou mais árbitros.
14. Mais que isso, as notas explicativas do sétimo princípio esclarecem que tanto as partes quanto os árbitros possuem o dever contínuo de investigar e buscar informações relevantes que estejam razoavelmente acessíveis com o propósito de identificar conflitos de interesse. Trata-se de deveres paralelos e cooperativos entre partes e árbitros, portanto, e não um ônus atribuível apenas às primeiras, como poderiam acreditar alguns.
(H) As listas vermelha, laranja e verde
15. A Parte II das Diretrizes passa a abordar a aplicação prática dos princípios gerais, trazendo listas descritivas que visam ao enquadramento dos deveres dos árbitros a situações concretas. São quatro listas descritivas: a Lista Vermelha de Eventos Irrenunciáveis, a Lista Vermelha dos Eventos Renunciáveis, a Lista Laranja e a Lista Verde, que trazem, gradativamente, hipóteses e exemplos de situações que podem ou não (i) ocasionar dúvida justificável, e/ou (ii) exigir a sua revelação.
16. Apesar de não esgotarem as possibilidades que potencialmente levariam à desqualificação de um árbitro ou demais sujeitos envolvidos no procedimento, as listas descritivas harmonizam as particularidades do caso concreto com os princípios gerais, e buscam evitar que árbitros sejam impugnados ou afastados por motivos fúteis ou frívolos. Por meio de hipóteses exemplificativas – que, evidentemente, não excluem a análise particular das situações de cada caso –, as Diretrizes buscam trazer alguma concretude a um tema que é, por sua natureza, abstrato, e que pode dar margem a iniquidades no procedimento.
17. Nesse passo, a partir de evoluções verificadas nos últimos 10 (dez) anos, as adições de hipóteses às Listas estão em plena consonância com os observados (a) crescimento de escritórios de advocacia e (b) desenvolvimento do interesse econômico de grupos empresariais na arbitragem internacional.
18. A titulo exemplificativo, as hipóteses adicionadas à Lista Vermelha de Eventos Irrenunciáveis contaram com a adição de situações em que o árbitro (a) é empregado de uma das partes (item 1.1), e (b) o escritório de advocacia em que atua o árbitro aconselha regularmente uma das partes ou subsidiárias (item 1.4). Já as adições à Lista Laranja trazem a atenção, como exemplo, para situações em que o escritório de advocacia em que atua o árbitro tenha representado a parte contrária a alguma das partes do procedimento nos últimos três anos anteriores (item 3.1.4).
(I) Comentários finais: contribuições das diretrizes da IBA
19. Como se pode observar, as principais circunstâncias consideradas na elaboração versão 2014 das Diretrizes da IBA trazem em sua atualização, em especial, o visível crescimento de escritórios de advocacia e de grupos empresariais internacionais – fenômenos que têm tornado as hipóteses de conflitos de interesses e do dever de revelação ainda mais abrangentes e frequentes. Buscou o Comitê de Arbitragem, em poucas palavras, ajustar o texto das Diretrizes às mudanças dos últimos dez anos, com atenção especial à ascendente ocorrência de impugnações a árbitros nos últimos anos.
20. Na linha do que diversos colaboradores enfatizaram durante todo o trabalho de revisão, o propósito maior das Diretrizes deve ser sempre (i) proteger as sentenças arbitrais contra impugnações frívolas baseadas em violações inexistentes aos deveres de imparcialidade, independência e revelação (sem prejudicar o legítimo direito à impugnação, quando ela se mostrar devida), e (ii) promover condições equânimes para a atuação de advogados e partes em arbitragens internacionais.
21. As Diretrizes de 2014, nesse sentido, contribuem para que sejam atingidos três importantes objetivos no âmbito da arbitragem nacional e internacional de hoje: (a) que se reprimam as impugnações fúteis e frívolas; (b) que se uniformizem os padrões e critérios para revelações, objeções e impugnações mundo afora; e (c) que se evite que profissionais não capazes de cumprir deveres inerentes à função de árbitro ou secretário assumam tamanho encargo.
*Ricardo Dalmaso Marques é advogado associado da área Contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Marília Muchiuti é estagiária da área Contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados.
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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Fonte: Migalhas 02 de Janeiro de 2015.
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